- Cartão e email do Professor: entre sonhos e realidadepor Sérgio Moreira
Cartão e email do Professor: entre sonhos e realidade
Perante os indícios da criação de um Cartão do Professor, torna-se impossível ignorar a falta de ambição demonstrada por alguns sindicatos na abordagem ao tema. Este podia — e devia — ser um ponto de partida para valorizar a profissão, reforçar direitos e facilitar o acesso a benefícios que reconhecem o papel central dos docentes na nossa sociedade.
Num cenário onde a mesa negocial deveria ser palco de propostas concretas, realistas e ambiciosas, apresentamos algumas ideias com os pés bem assentes no chão. Porque, sim, sabemos que o Pai Natal não existe… e que muitas delas poderão não ser aceites. Mas acreditar no impossível não é pedir milagres — é exigir respeito e vontade política.
Propostas possíveis:
- Descontos reais em serviços culturais, educativos e tecnológicos.
- Facilitação no acesso à formação contínua.
- Benefícios em transportes e alojamento para deslocações profissionais.
- Reconhecimento institucional da profissão em espaços públicos.
O Cartão do Professor não pode ser apenas uma imagem bonita num powerpoint — tem de traduzir-se em medidas concretas que sirvam os professores de hoje, sem recorrer a promessas mágicas nem embrulhos de fantasia.
E já agora porque não imaginar um sistema onde cada professor tem um email institucional único e permanente — acessível ao longo da carreira, integrado com plataformas educativas, seguro e com espaço ilimitado na nuvem.
- Educar para a Sexualidade ou Preencher Papéis?por Sérgio Moreira
Educar para a Sexualidade ou Preencher Papéis?
A educação sexual nas escolas deveria ser uma ferramenta capaz de capacitar os jovens com conhecimento, consciência e respeito sobre o tema. No entanto, a realidade está longe deste ideal. Em vez de promover ações significativas, continuamos presos a iniciativas que servem mais para manter aparências do que para provocar verdadeiras mudanças.
Embora os colegas professores, nos quais me incluo como professor de Cidadania desde há muitos anos, desempenhem um papel fundamental na formação dos jovens, é irrealista esperar que estejam plenamente capacitados para abordar com profundidade todos os temas complexos que a educação sexual exige. Questões relacionadas com saúde física e mental, identidade de género ou violência sexual vão muito além da formação pedagógica comum. Uma formação pontual de 50 horas, por mais bem-intencionada que seja, não transforma estruturalmente essa limitação. A educação sexual exige conhecimento especializado, sensibilidade técnica e uma abordagem multidisciplinar — que não pode ser substituída por ações de curta duração com carácter apenas formativo. Por isso, é urgente reconhecer que a escola precisa de contar com profissionais de outras áreas, como saúde, psicologia e intervenção comunitária, para assegurar uma verdadeira educação sexual com impacto real.
Um dos exemplos mais flagrantes é o chamado Programa de Educação Sexual de Turma (PEST). À primeira vista, parece uma resposta institucional sólida ao desafio da educação sexual. Mas na prática, este programa é, em muitos casos, um mero formalismo. As horas atribuídas ao PEST não são mais do que o elencar de conteúdos já previstos nas disciplinas convencionais. Ou seja, havendo ou não havendo PEST, pouco ou nada muda. É apenas mais um documento — e não um verdadeiro projeto que acrescenta.
A atribuição de temas ligados à educação sexual à disciplina de Cidadania e Desenvolvimento nos 2.º e 3.º ciclos levanta questões relevantes que vão no mesmo sentido. Apesar de ter carga horária definida, colocar o professor — muitas vezes sem formação especializada na área da sexualidade humana — como responsável direto pela abordagem destes temas pode ser limitador. A complexidade e sensibilidade dos conteúdos exigem competências técnicas e éticas que não se adquirem apenas pela condição docente. Será mesmo esse o caminho? A escola precisa de reconhecer que a transmissão de conhecimento sobre sexualidade não pode depender exclusivamente do currículo formal ou da boa vontade dos docentes. Ao invés de centralizar este papel nos professores, talvez seja hora de adotar um modelo verdadeiramente colaborativo, integrando profissionais da saúde, psicologia e entidades especializadas, para que a cidadania sexual seja tratada com a profundidade e respeito que merece.
Será que as escolas estão a pedir para ser enganadas? Porque continuam a aceitar programas que nada acrescentam, sustentados por papéis vazios de conteúdo? Por outro lado, há intervenientes que trazem substância real, como os enfermeiros da saúde escolar, que oferecem ações educativas baseadas na prática clínica e na proximidade com os jovens.
Mas não se esgota aqui. Os psicólogos escolares são cruciais para trabalhar dimensões emocionais, relacionais e comportamentais da sexualidade, com atenção à saúde mental, ao consentimento e à construção de identidade. Os médicos de família e especialistas em saúde sexual contribuem com conhecimento técnico preciso e atualizado sobre saúde reprodutiva, prevenção, contraceção e desenvolvimento físico. E não podemos ignorar o trabalho valioso das associações ligadas à saúde que desenvolvem materiais pedagógicos, campanhas e sessões dinâmicas que ajudam a desmistificar tabus e promover uma sexualidade livre, consciente e responsável.
Infelizmente, persistem pressões externas que alimentam este ciclo de estagnação. Ex-ministros, sindicatos e atores políticos ligados a partidos específicos insistem na continuidade de medidas que tapam o sol com a peneira. Para estes, preencher relatórios com iniciativas inócuas parece ser suficiente para manter a narrativa de progresso. Mas a verdade é que políticas educativas não se medem pelo número de documentos produzidos — medem-se pelos impactos que geram nas pessoas.
Pior ainda: quando a educação para a sexualidade é usada como acessório ideológico, sem uma apresentação adequada, torna-se um problema em vez de uma solução. Desvirtua-se a sua função e perpetua-se a ideia de que o importante é mostrar que se está a fazer alguma coisa, ainda que essa coisa seja… nada.
Não podemos continuar a fazer de conta. É preciso coragem para assumir que certos programas estão esvaziados de conteúdo. E é urgente substituí-los por ações eficazes, feitas por profissionais competentes, que tragam conhecimento real aos nossos jovens.
Se queremos políticas educativas progressistas, temos de abandonar a ilusão e escolher a substância.
- Migraçõespor Sérgio Moreira
A partir dos anos 80, as transformações culturais, sociais e económicas, a par de uma maior democratização do ensino, criaram vários desafios às escolas. A crescente globalização do mercado de trabalho trouxe uma abertura nas comunidades que, até então, eram estanques.
Ao mesmo tempo, foi-se assistindo à maior revolução ao nível das tecnologias da informação de que há memória. Conseguimos criar verdadeiramente uma aldeia global onde estamos todos ligados em rede.
Desde o início deste fenómeno até aos nossos dias, tivemos, ao nível educativo, cerca de quarenta anos para aprimorar ferramentas e estratégias que tornassem os procedimentos mais eficazes.
Foram várias as alterações tecnológicas que, não só simplificaram o trabalho nas escolas, mas também mudaram a forma como se aborda o processo de ensino/aprendizagem.
Nos últimos anos, o desafio das migrações tem vindo a aumentar fazendo com que a turma seja um espaço de constantes entradas e saídas. Este fenómeno é acompanhado por um trabalho de secretaria que parece saído do início do século XX e que não se consegue explicar num mundo global e numa estrutura que conta com vários profissionais, diariamente, em gabinetes, a planificar. Não se aceita que a migração física de um aluno seja mais rápida que a migração dos seus dados.
Se se efetiva uma transferência, o professor tem de ter acesso a todos os dados do aluno no seu primeiro dia de aulas. Não se entende porque não existe apenas um programa de gestão administrativa/escolar onde se faça a importação dos dados para a nova escola em segundos. Um processo que traria não só todo o seu histórico, mas com toda a informação do presente ano letivo, ao nível dos instrumentos de avaliação, níveis atribuídos, dificuldades evidenciadas, ocorrências, adaptações e todos os outros dados. E porque não também apostar na existência de um único domínio de email onde apenas se adiciona o número de processo do aluno e que o acompanha durante o seu percurso escolar para que, de forma imediata, se consiga adicionar o aluno nas plataformas de trabalho colaborativo.
Cada vez que migra um novo aluno, colocam-se todos os dados na nova plataforma, cria-se um novo email, tenta-se descobrir os níveis atribuídos a cada disciplina, perceber as dificuldades, planear novas medidas e por aí fora. A espera de dias pelo processo e a perda de todos os instrumentos de avaliação realizados até ao momento, põe em causa a avaliação contínua e são uma forma de discriminação por estes alunos que vêm de uma situação de mudança que já de si é causadora de ansiedade e que têm de esperar pelo trabalho de um novo conselho de turma para voltarem ao ponto onde estavam anteriormente.
São apenas duas pequenas ideias mas que fariam grande diferença ao nível da sala de aula.
Como explicar isto num mundo digital? Será a inexistência de uma estratégia, falta de meios ou apenas falta de vontade?
As migrações vieram para ficar. É preciso um maior dinamismo para que estas tenham o menor impacto nas aprendizagens dos alunos.