- O perigo dos professores sem habilitação.por Armando Lopes
Freepik.com Tenho ouvido nos últimos tempos a preocupação manifestada por alguns profissionais da educação, nomeadamente dirigentes sindicais, sobre o problema da falta de professores (preocupação justificada e que já não é de agora), e sobre a falta de formação pedagógica de muitos deles. Professores de formação começa a ser uma espécie quase em vias de extinção. Em novembro de 2024, numa conferência de imprensa em Coimbra, Mário Nogueira fazia referência a mais de 4000 professores contratados, até esse momento, por oferta de escola e que são “esmagadoramente professores com habilitação própria”. Que haja preocupação com a falta de professores compreendo, agora que se tente associar a gravidade dessa situação à habilitação dos professores parece-me absurdo, e mais grave, é ofensivo.
Por momentos, volto à década de 80 do século passado, às escolas de Vilarandelo e de Valpaços, onde frequentei a escola pública desde o 5.º ao 11.º ano. Se nos dias de hoje ninguém quer ir dar aulas para a margem sul por causa do custo de vida, nessa altura ninguém queria ir dar aulas para certas regiões de Trás-os-Montes, uma terra gelada, servida por estradas mal asfaltadas e cheias de curvas. Nessas escolas, tive muitos Professores formados, alguns deles dos quais ainda hoje me lembro, mas também tive imensos Professores que não o sendo, deixaram marcas e me ficaram na memória. Foi com grande espanto que encontrei uma delas na primeira Universidade que frequentei, vim a saber nessa altura que quando me deu aulas andava no ensino secundário (nunca me vou esquecer da Professora Célia, foi minha Professora de Matemática e Geografia, no mesmo ano letivo). Tive um Professor de Educação Física (o Tó Almeida) cuja formação naquela altura era ser jogador de futebol na equipa da terra, mais tarde formou-se e tornou-se Professor, a sério. (A sério no papel, sempre o foi quando me deu aulas.) Tive um Professor de Educação Física num ano, que no ano seguinte me lecionou Português e também Geografia, (era o Professor Miguéis). Tenho memórias das aulas que aqui não posso partilhar, mas devia ser uma pessoa muito corajosa para aceitar tamanho desafio. Tive um Professor de Contabilidade, (o Professor Carlos Lamas) que era um “mestre” na matemática, quando tínhamos dificuldades com a disciplina, abríamos inocentemente o caderno à frente dele e discutíamos entre nós os problemas, quando ele se apercebia que aquilo era matemática, brilhavam-lhe os olhos: “- Que é isso pá? Mostra cá, mostra cá!” Era remédio santo, explicava-nos com tanta paixão que as nossas dúvidas se desvaneciam.
Foi na universidade que tive a sorte de ter um Professor de Informática (Professor Ramiro Gonçalves), cujas aulas fizeram nascer em mim um desejo de o ser também. Meia dúzia de anos depois, quando tirei outra licenciatura para continuar a ser Professor e ter hipótese de entrar nos quadros, voltei a ter a sorte de o ter novamente como Professor. Muito daquilo que hoje sou na sala de aula é muito daquilo que ele era.
Já como Professor, tive um colega (o Carlos Martins), que lecionava tal como eu, matemática. Tínhamos os dois habilitação suficiente para lecionar a disciplina, por vezes, em determinadas reuniões de grupo disciplinar, o nosso Coordenador (Professor de matemática, licenciado e profissionalizado), partilhava com todos nós alguns enigmas matemáticos e desafios que podíamos propor aos alunos. O meu colega Carlos, parecia que não ligava, escrevinhava umas coisas nuns papéis que depois guardava ou riscava. Numa dessas vezes, dobrou-o e meteu-o no meu caderno, fazendo disfarçadamente um gesto para me calar. Só quando em casa abri o caderno é que me lembrei daquilo, ele tinha resolvido o enigma matemático em dois ou três minutos, nós andámos às voltas com ele durante meia hora. Dirão vocês: – Até podia ter essa capacidade e não saber ensinar os alunos! Pois podia, mas a paixão com que ensinava e demostrava aos alunos a simplicidade da matemática era o suficiente para os cativar, e eles aprendiam.
Obviamente que deve haver uma preocupação em tornar a prática docente mais profissional, e espero que haja um trabalho sério e imediato do Ministério em proporcionar a muitos docentes a profissionalização, as cadeiras pedagógicas que lhes permitam desempenhar melhor a sua atividade profissional. No entanto, deveria também existir uma preocupação em garantir que todos os professores, e muitos daqueles que têm as habilitações todas, científicas e pedagógicas, que têm vinte ou trinta anos de serviço, cumprissem o seu trabalho de forma séria e profissional. Professores que não escrevem sumários atempadamente, que nunca marcam falta aos alunos, que nunca elaboram ou ajudam a elaborar as planificações, que constantemente falham com as suas obrigações para que as reuniões corram normalmente ou que nunca entregam ou partilham as grelhas de avaliação… Não me vou alongar com mais exemplos, nem com coisas mais graves que se vão passando nas escolas que vou conhecendo. Quem é Professor e não conhece coisas destas, ou anda distraído, ou está numa escola fantástica! (Ou então está numa escola privada, onde normalmente os Professores só falham uma vez!)
Ao longo deste meu texto escrevi sempre a palavra Professor com letra maiúscula, independentemente das suas habilitações. Para mim, desde que cumpram as suas obrigações e sejam profissionais, merecem todos o mesmo respeito e consideração. Foi assim que comecei em 1998, com habilitação própria no grupo de matemática e ciências, depois com habilitação suficiente no grupo de matemática, voltei à habilitação própria nos grupos de economia, contabilidade e informática, e por fim, desde 2006 com habilitação profissional no grupo de informática. Obviamente que a cada ano que passa me sinto mais apto e preparado, além de cansado obviamente, mas profissional, não me sinto melhor agora que no início da carreira.