Educação ao Acaso – A Rede que não sabe ser Rede

Educação ao Acaso – A Rede que não sabe ser Rede

Os dados oficiais da estatística educativa revelam disparidades gritantes na distribuição de alunos entre escolas do mesmo município, evidenciando falhas estruturais na gestão da rede escolar. Num dos agrupamentos onde lecionei, em 2022, existiam cerca de 45 alunos por ano no ensino secundário. A escassos cinco quilómetros, noutro agrupamento da mesma cidade, o número ultrapassava os 450 por ano. Este ano letivo, o primeiro agrupamento formou três turmas de 7.º ano com 53 alunos no total; o segundo criou dez turmas, com 28 alunos cada.

O contraste é alarmante: de um lado, salas vazias e recreios desocupados; do outro, corredores onde, em dias de chuva, os alunos mal conseguem circular. Como se justificam turmas sobrelotadas, que comprometem a qualidade do ensino e o acompanhamento individualizado, quando há recursos humanos e infraestruturas disponíveis em escolas vizinhas? Como se aceita esta descoordenação na reorganização escolar?

Além disso, esta desigualdade tem efeitos diretos no sucesso escolar e no bem-estar emocional dos alunos. Ambientes sobrelotados dificultam o acompanhamento individual, criam ruído excessivo e elevam os níveis de stress — fatores que afetam especialmente os estudantes com maiores dificuldades de aprendizagem ou em situação de vulnerabilidade.

O impacto também se faz sentir nos docentes: mais alunos por turma significam maior carga de trabalho, menos tempo para cada aluno e maiores exigências de gestão comportamental. A sobrecarga contribui para o desgaste emocional e profissional dos professores, agravando o risco de desmotivação e burnout, e afetando a qualidade do ensino ministrado.

Pela primeira vez em décadas, temos um ministro da Educação que, na minha perspetiva, tem estado à altura do desafio. Talvez por isso, e porque o ruído em torno das políticas educativas tem sido incomumente baixo, se torne mais visível a fragilidade das estruturas que sustentam o sistema.

Exemplos não faltam. Um programa de gestão escolar que consumiu milhões e nunca se revelou funcional, falhando em substituir eficazmente a plataforma INOVAR. Uma ferramenta de gestão de professores alojada no site do IGEFE que, apesar de inúmeras reformulações, continua inoperacional. E a recente tentativa de digitalizar os exames nacionais, marcada por falhas técnicas que envergonhariam qualquer sistema minimamente preparado.

Tudo isto revela algo mais profundo: a ausência de um planeamento estratégico a médio e longo prazo. A distribuição de alunos e recursos parece regida por decisões avulsas, sem que exista uma visão integrada para o território educativo. Não basta reagir aos números de matrículas — é essencial antecipar tendências demográficas, reorganizar com base em critérios de equidade e garantir que todas as escolas oferecem condições dignas e sustentáveis.

No que toca à reorganização da rede, tudo indica que o único critério considerado foi a liberdade de escolha por parte das famílias. Um princípio legítimo, sem dúvida. Mas essa liberdade deve ser ponderada à luz da capacidade real de resposta das escolas. Não se pode promover um ensino inclusivo ignorando as assimetrias crescentes no acesso à educação.

A gestão educativa deve assumir a responsabilidade de equilibrar a rede, em vez de se demitir da tarefa e delegar nas escolas a difícil missão de captar alunos. Sem isso, corremos o risco de acentuar desigualdades, transformar escolas em guetos e comprometer, a prazo, qualquer ideia de justiça no acesso à educação.


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